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Para todos os bolsos e gostos

O sommelier Manoel Beato, do grupo Fasano, lança guia de vinhos com mais de mil dicas

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*

12/12/2006

Desde 1992 chef-sommelier do restaurante Fasano de São Paulo, um dos templos da alta culinária italiana da capital paulista, hoje localizado no luxuoso Hotel Fasano, Manoel Beato lançou em novembro seu primeiro livro, o Guia de Vinhos Larousse (Editora Larousse do Brasil, 240 páginas, R$ 29,90). Pelas credenciais que exibe, Beato poderia ter optado por fazer uma obra para esnobes e endinheirados, indicando somente rótulos caros (e, por vezes, óbvios) e desdenhando dos produtos mais em conta. Afinal, o sommelier, várias vezes eleito o melhor do país por revistas da área gastronômica, trabalha num local por onde passa boa parte do PIB nacional e conhece os tintos e brancos mais cobiçados e valorizados do planeta. Para a sorte de quem ainda acha que gastar três dígitos num vinho só se justifica em ocasiões especiais, Beato fez um guia simples e prático, com mais de mil indicações de rótulos da Europa (França, Itália, Espanha, Portugal, Alemanha e Hungria) o do Novo Mundo (Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia e África do Sul) em todas as faixas de preço. “Há dez anos, sonhava em fazer um livro assim”, diz o sommelier. “É um guia para todos, iniciados ou não no assunto vinho.”

Embora contenha dicas de vinhos caros em número suficiente para alegrar os mais abonados ou perdulários, a obra tem como foco central os produtos relativamente baratos, com preços inferiores a R$ 26 e entre R$ 26 e R$ 45. Muitos desses rótulos são encontrados em supermercados, local onde, aliás, Beato não vê nenhum problema em se comprar vinhos. “A imagem de que todo vinho de supermercado é ruim não faz mais sentido”, comenta. “Há 20 anos, podia ser assim, mas hoje há bons e até mesmo excelentes rótulos nos supermercados.” Beato diz que toma com prazer todos os vinhos que selecionou, mesmo os mais simples. E ele garante que não está fazendo tipo: “Tem gente que não acredita, mas é a verdade”. O sommelier admite que a maioria dos vinhos de R$ 13 disponíveis no mercado nacional não é de boa qualidade, mas há exceções que fogem à regra – e essas exceções devem ser valorizadas. Também salienta que não há obras-primas por uma pechincha, mas, com R$ 150 ou R$ 200, é possível adquirir alguns vinhos extraordinários (não todos, obviamente).

Beato degustou todos os vinhos do guia, quase sempre às cegas e, em muitas ocasiões, ao lado de outros provadores. “A conversa sobre os vinhos experimentados é muito importante”, diz o sommelier, que, é claro, tem a palavra final sobre os rótulos incluídos ou não no livro. Para classificar os produtos que degusta, Beato usa um sistema próprio de pontuação. As amostras analisadas recebem uma nota que vai de 0M a 20M (o M é uma referência a Manoel) e só entraram no livro as que receberam pelo menos 10M. Pela escala de Beato, que prova diariamente 40 rótulos (te cuida, Parker, o cara degusta tantos vinhos quanto você!), os bons produtos alcançam 10M e 11M; os ótimos chegam a 12M, 13M e 14M; os excelentes figuram com 15M, 16M e 17M; e os excepcionais ostentam 18M, 19M e 20M. Apenas alguns grandes vinhos (e produtores) de Bordeaux, da Borgonha e de Champagne receberam a nota máxima no guia. Beato sabe reconhecer a excelência em outras partes do globo, mas não nega ter preferência pelos rótulos do Velho Mundo, em especial os franceses. No guia, publica notas e comentários sobre 59 safras do Château Mouton Rothschild, um dos vinhos míticos de Bordeaux.

Além da nota, cada rótulo, simples ou caro, selecionado pelo guia traz indicações telegráficas sobre suas principais características, como o estilo de vinificação (se moderna ou tradicional), seu corpo (leve, médio ou encorpado) e o momento ideal para tomá-lo (se é um vinho para guardar ou para ser bebido agora). Um breve comentário escrito, em geral de uma ou duas linhas, acompanha alguns vinhos, mas não todos. Beato é econômico nas palavras, uma opção estilística que chega a ser um alívio diante da verborragia de alguns críticos. Fica claro que o autor do guia, grande conhecedor de vinhos, se preocupou em não privilegiar em demasia um produtor, importador, região ou país vinícola, abrindo espaço para a diversidade de estilos e propostas hoje presentes mundo afora. Para garantir a credibilidade do guia, Beato também optou por não dar espaço demais para os produtos trazidos do exterior pela Enoteca Fasano, importadora à qual está ligado. “Poderia ter incluído mais rótulos da Enoteca, mas preferi não fazê-lo.”

O sommelier do Fasano foi generoso com os vinhos de todas as nacionalidades, inclusive com os brasileiros. Indicou nada menos que 74 rótulos nacionais, entre tintos, espumantes e brancos, a maioria com notas entre 10M e 11M. “Provei 300 vinhos brasileiros para o guia”, conta Beato. Há exemplares recomendados oriundos das principais regiões produtoras do Brasil, como Serra Gaúcha (e Vale dos Vinhedos), Campanha (RS), Vale do São Francisco (no Nordeste) e Santa Catarina. Os vinhos brasileiros mais bem pontuados no guia, com nota 14M, foram três: um de Santa Catarina, o Villa Francioni 2004, e dois do Rio Grande do Sul, o Salton Desejo 2004 e o espumante Natural Brut da Casa Valduga. Logo abaixo, com 13M, aparecem dois vinhos gaúchos: o Quinta do Seival Cabernet Sauvignon 2004, da Miolo, e o espumante Extra Brut Excellence Gran Reserva Valduga 1999.

O livro de Beato é, sem dúvida, uma boa compra. Fora as indicações de rótulos para variados bolsos e gostos, o guia ainda traz informações sobre como escolher e servir um vinho e dados básicos sobre os principais países que exploram a vitivinicultura. A parte dedicada à harmonização de vinhos com pratos da culinária brasileira de Norte a Sul – como o paraense pato no tucupi ou o paranaense barreado, sem se esquecer do arroz, feijão, bife e salada, entre tantas outras preferências nacionais – serve de estímulo àqueles que ainda torcem o nariz para esse tipo de casamento gastronômico. A bem da verdade, é preciso dizer que há um ou outro pequeno deslize de edição no guia, como um vinho colocado na faixa errada de preço ou a grafia incorreta de um nome. Nada grave, que não possa ser facilmente corrigido numa segunda edição. No tópico dedicado à produção brasileira, há também um erro de informação: está escrito que as uvas mais utilizadas para fazer espumantes na Serra Gaúcha são a Chardonnay, a Pinot Noir, a Riesling (a itálica e a renana), a Sémillon e a Sauvignon Blanc. Pode até ser que haja espumantes nacionais de cuja mistura façam parte essas duas últimas cepas, mas, com certeza, eles não são representativos da produção nacional. Como se disse, nada grave. Pelo jeito, o mundo do vinho, que já tinha o Manoel Beato sommelier, agora conta também com o Manoel Beato crítico.

*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de novembro de 2006 do jornal Bon Vivant

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