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Uma feira verde-amarela

Presença marcante dos vinhos nacionais e do primeiro Master of Wine brasileiro deram o tom da Expovinis 2009

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*

15/07/2009

Demorou mais de uma década, mas o Brasil, finalmente, ocupou um lugar realmente de destaque na maior feira de vinhos realizada anualmente no país. Na 13ª edição da Expovinis Brasil, que ocorreu no Transamérica Expo Center de São Paulo entre os dias 5 e 7 de maio, a grande presença de produtores nacionais foi um dos diferenciais da feira de 2009, ao lado da boa figura feita pelos franceses (este é o Ano da França no Brasil e, claro, os gauleses tinham a obrigação de mostrar sua cara por aqui). O Instituto Brasileiro do Vinho (Ibravin) também aproveitou o evento para lançar uma campanha institucional (“Abra sua cabeça sua cabeça, Abra um vinho brasileiro”) que tem por objetivo melhorar a imagem do vinho nacional no mercado interno e também difundi-la no exterior. Verde-amarelo também foi o mais badalado convidado internacional: Dirceu Vianna Junior, um paranaense de Marechal Cândido Rondon que está radicado há quase duas décadas na Inglaterra e que se tornou no ano passado o primeiro brasileiro (e uma das 275 pessoas do mundo) a ostentar o cobiçado título de Master of Wine. Enfim, sem patriotada, a Expovinis deste ano teve um acento ligeiramente nacional.

Talvez a recessão econômica mundial tenha contribuído para diminuir o comparecimento de produtores portugueses e de outros cantos do mundo ao evento. Mas, pelos menos nos grandes números oficiais divulgados ao final da feira, a Expovinis 2009 teve um perfil semelhante ao da edição do ano passado: 250 expositores nacionais e cerca de 16 mil visitantes.”O balanço da organização não podia ser melhor”, disse, em comunicado à imprensa, Domingos Meirelles, diretor da Exponor Brasil, a empresa portuguesa que organiza a feira. “Os expositores ficaram muito satisfeitos com o nível da visitação e com o aumento dos compradores internacionais como China, Angola e Coréia.” Como nas últimas edições da Expovinis, as feiras de cachaça e charuto (Brasil Cachaça e Epicure) ocorreram em paralelo à do vinho. Outro destaque deste ano foi a já clássica eleição dos melhores vinhos da feira, a escolha dos Top Ten (veja quadro com os ganhadores). Uma inesperada nova importadora especializada em vinhos australianos, a Wine Society, um investimento de R$ 6 milhões bancado por 20 sócios, também deu as caras na feira, prometendo inundar os restaurantes e casas especializadas com bons e baratos rótulos, inclusive no formato Bag in Box.

A vez do vinho nacional – Logo na entrada da feira, o visitante se deparava com um belo espaço coletivo, de quase 400 metros quadrados. Era o stand dos Vinhos do Brasil, que reunia 25 vinícolas, 21 do Rio Grande do Sul e 4 do Vale do São Francisco, no Nordeste. A regra nas últimas Expovinis era os produtores brasileiros estarem dispersos ou, quando juntos, serem representados por poucas vinícolas, confinadas a um local relativamente modesto e sem muita visibilidade. Neste ano, com apoio do Ibravin, do Sebrae e do governo do Rio Grande do Sul, o espaço partilhado dos produtores brasileiros foi um dos mais badalados da feira. “Acho que as vinícolas brasileiras tinham que se unir e estar aqui nesse stand coletivo independentemente de terem também um espaço próprio”, comentou Juliano Carraro, da Vinícola Lidio Carraro. “Os estrangeiros entram na Expovinis e logo vêem o stand dos Vinhos do Brasil”. Apesar de ser uma vinícola pequena e familiar do Vale dos Vinhedos, em Bento Gonçalves (RS), a Lidio Carraro foi a única empresa nacional a ter dois stands na feira: um no espaço Vinhos do Brasil e outro individual. Uma iniciativa louvável.

No espaço dos Vinhos do Brasil, havia alguns produtores mais conhecidos do público, como a Cave Marson, de Cotiporã, na Serra Gaúcha, ou a Dal Pizzol, de Faria Lemos, distrito de Bento Gonçalves. Mas também não faltaram novas vinícolas gaúchas, surgidas nos últimos anos, que estão só agora iniciando a briga por um espaço no mercado. A Peruzzo, de Bagé, na Campanha Gaúcha, onde tem 16 hectares de uvas plantadas, era um desses casos. Lançou no ano passado seus primeiros rótulos, elaborados sob supervisão do conhecido enólogo Adolfo Lona, e esteve em sua primeira Expovinis. Fundada em 2004, a Gheller, de Guaporé, município serrano distante cerca de 50 quilômetros do Vale dos Vinhedos, foi uma das boas surpresas da freira. Sua linha de tintos chamou a atenção e seu espumante Brut foi escolhido como um dos melhores nacionais por Dirceu Vianna Junior.

Ao lado do espaço dos Vinhos do Brasil, outro stand coletivo com produtores nacionais se destacou. Era ocupado por oito vinícolas ligadas à Associação Catarinense de Produtores de Vinhos Finos de Altitude (Acavitis). Parece que, além de terra das macieiras, a região de São Joaquim também vai se firmar como boa (embora por vezes cara) fonte de rótulos nacionais. Nomes como Sanjo, a cooperativa de orientais até recentemente conhecida por suas maçãs, Villagio Grando e Quinta da Neve aos poucos estão sendo incorporados ao mundo dos fermentados de uva. Uma ausência notada no stand da Acavitis foi a da Villa Francioni, vinícola de ponta de São Joaquim que nas últimas edições da Expovinis marcou boa presença.

Fora desses dois stands coletivos com produtores nacionais, o visitante também podia degustar rótulos brasileiros em espaços individuais mantidos por vinícolas de todo o porte. Como sempre fazem, as grandes empresas, como Miolo, Salton e Casa Valduga, tinham seu cantinho próprio. O mesmo ocorreu com algumas vinícolas pequenas que regularmente comparecem a esse tipo de evento, como a Pizzato, do Vale dos Vinhedos. “Eu me sinto um pouco fora do lugar aqui, mas era preciso conhecer a feira”, disse Plinio Pizzato, com a simplicidade e franqueza do homem do campo. Patriarca da família, responsável pelo trabalho nos vinhedos da vinícola, seu Plinio esteve neste ano pela primeira vez na Expovinis. Em geral, ir à feira era obrigação dos filhos, mas em 2009 o veterano viticultor resolveu acompanhá-los e dar uma espiada no evento.

Ronaldinho do vinho – Tão careca quanto o Ronaldo Fenômeno dos bons tempos, o Master of Wine Dirceu Vianna Júnior, que é diretor de desenvolvimento de vinhos da importadora inglesa Coe Vintners, foi o craque da feira. Comandou degustações, fez palestra sobre o mercado no Reino Unido para os vinhos brasileiros, foi assediado e paparicado por produtores e importadores. Simpático e acessível, deu entrevistas sem parar. Até o dia 5 de setembro do ano passado, quando ganhou o direito de ostentar as duas cobiçadas letras (MW) junto a seu nome, era praticamente um desconhecido fora do círculo do comércio britânico de vinhos. “No dia seguinte, virei notícia em várias partes do mundo e passei a ser procurado para dar palestras, consultoria e conduzir degustações”, disse Vianna, de 40 anos, que se preparou seis anos para passar no exame de Master of Wine.

Na terra do Big Ben, o sucesso do brasileiro não demorou muito a acontecer. Mas ele não tem vergonha de dizer que começou de baixo antes de passar a trabalhar exclusivamente com vinho. Fez de tudo no ramo da restauração. “Fui burro de carga, assistente de garçom, mas, como eu já falava inglês, progredi rapidamente”, afirmou. Vianna, que hoje degusta algo entre 50 e 500 vinhos por semana em seu trabalho, não esconde o orgulho de ter vencido em solo estrangeiro, de ter passado nas partes teórica e prática de um difícil exame totalmente conduzido na língua inglesa. “Jancis Robinson (famosa crítica inglesa de vinhos e também MW) estudou em Oxford”, comentou. “Eu vim de Marechal Cândido Rondon.”

Embora esteja há muito tempo fora do Brasil, Vianna se interessa por vinho nacional. Fez inclusive um estudo sobre a receptividade de experts ingleses (profissionais do setor, Masters of Wine e jornalistas) a vinhos brasileiros elaborados exclusiva ou majoritariamente à base de Merlot do Vale dos Vinhedos. “Fiz o estudo com a Merlot, mas poderia ter feito com os espumantes nacionais, que têm um potencial até melhor, ainda mais agora que a libra está fraca e o champanhe, mais caro”, explicou Vianna, que comparou 17 tintos nacionais com 10 de diversos países, todos mais ou menos da mesma faixa de preço. Também aferiu o conhecimento técnico de produtores brasileiros por meio de uma bateria de 103 perguntas. O resultado geral do trabalho, cujas principais conclusões apresentou numa palestra na Expovinis, foi animador. “A imagem do Brasil é muito positiva e o país já tem alguns vinhos que podem competir no mercado internacional”, comentou Vianna. “Eles têm um estilo mais próximo dos vinhos do Velho Mundo e não devemos esconder isso.” Ele acredita que os bons rótulos nacionais, se forem bem promovidos na Inglaterra, podem encontrar um lugar no mercado entre os vinhos de preço intermediário, entre 5,99 e 10 libras (R$ 19 e R$32).

Mas não há motivos para euforia e será preciso investir na qualificação e melhoria da média da produção nacional. Boa parte dos vinhos brasileiros ainda apresenta inconsistências visíveis. “Fazia tempo que eu não provava uma bateria de vinhos (no caso de vinhos brasileiros) com tantos defeitos técnicos”, confidenciou o nosso MW. Com problemas de todo tipo, originários do manejo de vinhedos e do processo de vinificação, segundo ele. “Não pensem que eu encontro esses problemas apenas no vinho brasileiro. Na Borgonha, também há disso”, explicou. “Às vezes, o produtor degusta tanto o seu vinho que nem percebe mais os defeitos. É como a minha mulher que nem deve notar mais que sou careca.” Deu para perceber que Vianna tem boa vontade com o vinho brasileiro, mas não vai abrir mão de ser realista e crítico.

Em seu último compromisso formal na feira, na noite do dia 7, quase no apagar das luzes, o MW comandou uma degustação dos melhores vinhos nacionais que experimentara na Expovinis. Quem participou da prova não se arrependeu. Primeiro, Vianna apresentou quatro espumantes. Foram três brut (secos), não safrados (Don Guerino, Gheller e Cordelier) e um extra-brut (ainda mais seco) elaborado especificamente com uvas de uma colheita (Casa Valduga Gran Reserva Extra-Brut 2002). Este último, com bastante complexidade aromática, foi o seu preferido. Em seguida, mostrou dois brancos (o ótimo Sauvignon Blanc 08 da Sanjo e o amadeirado Chardonnay Salton Virtude 08). Para terminar, degustou quatro tintos, dois da catarinense Quinta da Neve (o Pinot Noir 2006 e o Cabernet Sauvignon 2007), o Miolo Castas Portuguesas 2006 e o Salton Talento 2005. Embora não tenha sido eleito o melhor tinto nacional na escolha dos jurados do Top Ten, o Pinot Noir de São Joaquim foi o que mais agradou a Vianna. Quem quiser conhecer mais a visão do MW de Marechal Cândido Rondon deve ler a revista inglesa Decanter, com a qual ele começou a colaborar recentemente.

Os Top Ten

Um júri de 13 especialistas, entre os quais Dirceu Vianna Junior, escolheu os melhores vinhos da feira em 10 categorias

Categoria – Vinho – Produtor – Região – Importador (se houver)

Espumantes nacionais – Casa Valduga Gran Reserva Extra-Brut 2002 – Casa Valduga – Vale dos Vinhedos (Brasil)

Espumantes Importados – Champagne Pehu Simonet Brut Selection Grand Cru NV – Pehu Simonet – Champagne (França) – Vinalia

Brancos de Sauvignon Blanc – Ventisquero Queulat Gran Reserva 2008 – Ventisquero – Valle de Casablanca (Chile) – Cantu Vinhos

Brancos de Chardonnay – Morandé Terrarum Reserva 2007 – Morandé – Valle de Casablanca (Chile) – Carvalhido Importação

Brancos de outras uvas – Josmeyer Les Pierrets Riesling 2001 – Josmeyer & Fils – Alsácia (França) – Zahil Importadora

Rosés – Cascaÿ 2008 – Château Ferry Lacombe – Provença (França) – Inscrito no concurso por Provence Clube Brasil

Tintos brasileiros – Salton Talento 2005 – Vinhos Salton – Serra Gaúcha (Brasil)

Tintos Novo Mundo – Las Perdices Tinamú 2006 – Viña Las Perdices – Mendoza (Argentina) – Bodegas Selecionadores de Vinhos

Fortificados e Doces – Justino’s Madeira 10 anos – Justinos Henriques – Ilha da Madeira (Portugal) – Inscrito pelo IVBAM (Instituto do Vinho, do Bordado e do Artesanato da Madeira)

Tinto Velho Mundo – Vinha Longa Reserva 2006 – Encostas de Estremoz – Alentejo (Portugal) – Inscrito por Ferreira Malaquias

*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de junho de 2009 do Bon Vivant.

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