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Com os deuses e seus recipientes para vinho

Mostra em São Paulo exibe 200 pecas de arte greco-romana, entre as quais estátuas de Dionísio, ânforas, vasos e até um copo para conter o fermentado dos deuses

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*

06/10/2006

Um kantharos da segunda metade do século VI a. C.: um tipo de copo para consumo de vinho, dotado de base (pé) e duas alças alongadas (Foto: SPK-SMB/Johannes Laurentius)

Os paulistanos e visitantes que passarem pela cidade de São Paulo têm uma oportunidade rara de ver de perto (e de graça) esculturas, em geral de mármore (às vezes, de bronze), jarras, ânforas e até um copo de cerâmica relacionados ao culto de Dionísio/Baco e ao antigo mundo do vinho: basta visitar a exposição “Deuses Gregos”, que, até 26 de novembro, estará em cartaz no Museu de Arte Brasileira da Fundação Armando Álvares Penteado (Mab/Faap). A mostra traz ao Brasil pela primeira vez 200 pecas greco-romanas da coleção de 100 mil itens do Museu Pergamon, localizado na chamada “ilha dos museus”, em Berlim, e considerado patrimônio histórico da humanidade pela Unesco, o braço cultural das Nações Unidas. As obras em exposição, que pesam conjuntamente 22 toneladas, abrangem desde o período arcaico da história grega (800 a 500 a. C), passam pelo clássico e helênico, e chegam até o imperial romano (que se inicia em 146 a.C.).Com calma, em uma hora e meia, no máximo duas, é possível ver toda a exposição. Mas, quem for ao museu da Faap num fim de semana ou nos horários de pico, em geral após o almoço, deve estar preparado para enfrentar fila na entrada.

Não se trata de uma exposição específica sobre o Deus do Vinho ou mesmo de artefatos ligados à bebida, mas sim de um painel sintético sobre o panteão grego de divindades, semi-deuses e heróis, no qual se destacam estátuas de Zeus, Hércules, Afrodite, Artemis, Apolo, Posseidon e outros seres míticos. Na mostra, que está dividida em quatro partes (Panteão dos Deuses, Teatro, Jardim Romano e Museu Pergamon de Berlim), há uma pitada dos principais legados culturais dos gregos, como a democracia, as artes cênicas, o ideal olímpico, o culto ao corpo. “A familiaridade que temos com a cultura grega está, por exemplo, na ligação direta do transcendental com as coisas práticas da vida, a união de religião e ciência e a importância do corpo humano como parâmetro estético em nossas vidas”, comenta o antropólogo brasileiro Tiago de Oliveira Pinto, um dos curadores da mostra, ao lado da arqueóloga alemã Dagmar Grassinger. Dionísio (ou Baco, para os romanos) é apenas mais um desses deuses representados na mostra. Mas, ainda assim, há pelo menos duas dezenas de peças que, de alguma forma, remetem à bebida fermentada mais cultuada pelo homem.

A começar pelas esculturas em mármore da divindade báquica ou com temática vínica. Há uma estátua de corpo inteiro de Dionísio Juvenil e outra apenas com a cabeça do deus do vinho. Isso sem falar num relevo de 70 centímetros de altura, do século I d. C, retratando a figura mais madura de Dionísio Arcaico, situado na ala dedicada ao teatro grego (não se pode esquecer que Dionísio era também o guardião da arte de representar nos palcos). Outro destaque, no trecho da mostra intitulado Jardim Romano, é uma estátua, incompleta, que recria a figura de um homem carregando em seu ombro uma espécie de cantil alongado, feito com pele de animal e usada para transporta vinho. Uma bebida naquela época, como se sabe, mais sã que a própria água.

A harmonia das formas, a expressão dos rostos, o realce dos músculos, são predicados inigualáveis das estátuas gregas. Mas, para os amantes do vinho, um capítulo de igual interesse na mostra são as cerâmicas. Afinal, não é todo dia que se pode dar uma olhada num kantharos da segunda metade do século VI a. C. Esse termo designa um tipo de copo para consumo de vinho, dotado de base (pé) e duas alças alongadas. Em vasos decorados, o alegre Dionísio é freqüentemente retratado dançando e segurando um kantharos. Na exposição, há inclusive uma ânfora com a figura de Zeus e de Dionísio com sua inseparável taça. As ânforas decoradas são, aliás, uma atração à parte da exposição. Uma das mais bonitas é um exemplar de 60 centímetros de altura em exposição em “Deuses Gregos”, que, no século V a. C. , era dado como prêmio (cheio de azeite de oliva) aos vencedores dos jogos esportivos disputados em Atenas. Nessa ânfora, há desenhos de um corredor de biga e da deusa Atena.

É bom ressaltar que havia vários tipos de ânforas e que elas eram usadas pelos antigos gregos e romanos para transportar e armazenar diversos líquidos (vinho e azeite) e até mesmo mantimentos (peixes, grãos). Mais rústicas, as destinadas ao carregamento de alimentos (que não constam da mostra) não eram decoradas e tinham uma base pontuda, o que permitia que elas fossem fincadas de pé num terreno arenoso ou macio. As com desenhos, às vezes ricamente adornadas, se destinavam a cerimônias religiosas, funerais ou eram dadas como prêmios. Para servir vinho à mesa, os gregos usavam um outro tipo de vaso, de menor porte que a ânfora: o oinochoe. A palavra grega oinochoe deriva de oinos (vinho) e cheo (servir). Uma jarra, de apenas uma alça (as ânforas têm duas), para servir a bebida dos deuses. Exemplares de oinochoe também estão dispostos na mostra no museu da Faap. Ou seja, o visitante da exposição terá a chance de ver três distintos tipos de recipientes de vinhos usados pela civilização greco-romana: ânforas, oinochoe e kantharos. Sem falar das maravilhosas estátuas …

Serviço

Exposição: “Deuses Gregos. Coleção do Museu Pergamon de Berlim’.
Local:Museu de Arte Brasileira da FAAP
Endereço: Rua Alagoas, 903 – Higienópolis (SP)
Horário de visitação: De terça a sexta, das 10h00 às 20h00. Sábados, domingos e feriados, das 10h00 às 17h00.
Data: Em cartaz, até 26 de novembro.
Entrada: gratuita
Informações: (11) 3662-7198

*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de setembro de 2006 do jornal Bon Vivant

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