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O selo fiscal está aí

Os defensores dessa maravilha da bur(r)ocracia nacional venceram a batalha. Era só disso que o vinho brasileiro precisava para ser mais competitivo?

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br

11/04/2011
© Marcos Pivetta

O selo fiscal: agora nas garrafas do supermercado

Enfim, ele chegou. Passei  no supermercado no fim de semana e já vi algumas garrafas de um rótulo chileno com o polêmico selo fiscal do vinho. A foto está aí ao lado e não me deixa mentir. Havia garrafas do mesmo vinho, da mesma safra inclusive, com e sem o selo. Estamos numa fase de transição, em que, como disse,  há vinhos com e sem selo fiscal. Até que, um belo dia, provavelmente  no ano que vem, todos os fermentados de uva vendidos no Brasil, importados ou nacionais, exibirão o tal papelzinho  junto ao gargalo da garrafa.  Nesse dia, a produção de vinhos no Brasil terá sido então sido salva por esse maravilhoso instrumento da bu(r)rocracia. O selo fiscal.

Como se sabe, produtos com selos fiscais são, por definição divina, à prova de fraude.  Mais rápidos e inteligentes que seus colegas do vinho, os produtores de uísque e de outras bebidas mais fortes já usam esse artifício anticontrabando e antipirataria há tempos e, claro, seus produtos nunca entraram no Brasil ilegalmente ou foram alvo de falsários. Ninguém nunca comprou um uísque, selado, que fosse também falsificado ou contrabandeado. Sendo essa uma verdade inquestionável, o futuro do vinho brasileiro, com o selo,  estará garantido.

Vida longa ao selo fiscal, o salvador do vinho nacional! Uau, até rimou.

E o consumidor brasileiro, como fica? Fica como sempre ficou: pagando preços absurdos por vinhos, nacionais ou importados, nas prateleiras de lojas e supermercados.  E agora, quando o preço do nosso Cabernet ou Merlot do dia a dia subir, os comerciantes terão mais uma desculpa na ponta da língua para explicar o reajuste: culpa do selo.

Outro dia falei com o Adolar Hermann, dono da importadora Decanter, que estimou um aumento de 3% a 5% no preço final dos vinhos em razão da adoção dessa maravilha da burocracia. O aumento não seria sentido agora, mas ao longo dos próximos meses, acredita Hermann. Pode ser que o aumento não chegue a isso. Os defensores do selo, basicamente os dirigentes que representam os produtores de vinho brasileiro, sobretudo as grandes empresas, dizem que o custo do selo é irrisório. Pode até ser. Mas essa não é, a meu ver, a questão central.

O problema é que, ao levantar a bandeira do selo fiscal, os dirigentes do vinho brasileiro parecem querer dizer o seguinte: só não conseguimos competir com o produto importado porque a maior parte dos rótulos do exterior entra ilegalmente no país. Agora, com o selo, podemos bater de frente, em termos de preço e qualidade, com qualquer um. Não é verdade. Claro que o contrabando provoca estragos, mas eles são setorizados. Não acredito que a entrada ilegal de vinhos no país seja a  responsável pela falta de competividade do vinho nacional. Será que há tanto vinho assim contrabandeado nas grandes redes de supermercado, onde é vendida boa parte dos rótulos comercializados no Brasil?

Na minha opinião, o vinho brasileiro ainda tem três problemas para o consumidor médio: imagem ruim, qualidade inconstante e preço alto. Nesse universo, os espumantes nacionais são uma exceção, com bons rótulos a preços justos, embora até nesse segmento os preços tenham subido nos últimos anos.

OK, com força em Brasília, os defensores do selo ganharam essa batalha. Mas pergunto: e agora? O setor só precisava do selo para ser eficiente? Não precisa reformar mais nada? Ninguém vai explicar ao consumidor porque é mais barato e mais viável produzir vinho no Chile ou na Argentina do que no sul do Brasil? Ninguém vai dizer que nesses países, diferentemente da Serra Gaúcha, quase não chove nos meses da colheita e que as nossas águas de janeiro, fevereiro e março são muito prejudiciais às safras verde-e-amarelas? Agora, então podemos cobrar preço e qualidade do vinho brasileiro, pois o inimigo do contrabando e da pirataria foi abatido?

Para mim, o vinho brasileiro nunca vai ser, em termos de preço e qualidade, tão competitivo quando o de nossos vizinhos. Espero sinceramente estar errado (torço para que a Campanha Gaúcha me desminta), mas isso me parece ser um dado da realidade nacional. Uma questão de clima e geografia. Mas fazer vinho é um traço da cultura e do modo de vida dos italianos que se instalaram em partes do Rio Grande do Sul. Um traço bonito, que me alegra e comove sempre que vou ao Sul. Estou disposto a pagar um pouco mais para preservar a produção de vinhos no Brasil. Eu disse um pouco mais, mas não exageradamente mais — e desde que esse vinho brasileiro tenha um padrão mínimo de qualidade.  Ele não será o dominante no mercado, mas continuará vivo. Resta saber se tem mais gente com a mesma disposição.

Por que não discutir isso depois de toda a batalha do selo?

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15 thoughts on “O selo fiscal está aí

  1. Marcos Pivetta Post author

    Caro Zanini,

    Obrigado pelo comentário. Essa história do selo já cansou um pouco. Espero que as coisas avancem em outras direções. Com ou sem selo, os problemas continuam aí para serem atacados.

    abs

    Pivetta

  2. Luís Henrique Zanini

    Caro Marcos,

    Parabéns pelo excelente texto! Cabe lembrar aqui que foste o primeiro a publicar nosso manifesto contra o “papelzinho”! Tua coerência, ética, e transparência, deveria servir de exemplo para as lideranças do SETOR.
    Só para recordar a ABBA, ainda está com sua liminar valendo, inclusive para novos associados. Ou seja, MUITOS VINHOS estão entrando no mercado sem SELO. E muitas outras entidades ainda vão entrar na justiça contra este “tiranossauro rex”.
    Novamente parabéns, até breve.
    Um abraço,
    Zanini

  3. Marcos Pivetta Post author

    Aurea,

    Obrigado pelo email.

    Ainda não sei se irei no evento da Fecomércio. Se for, escreverei algo.

    abs

    Marcos

  4. aurea recchia

    O vinho 2010 esta uma maravilha ! o 2009 deve chegar ao mercado em maio. Excelente também. Desta vez é um corte de sauvignon blanc com sauvignon gris, que deu um frescor ainda maior. Vendido pela http://www.jefsvinus.com.br , com os outros vinhos que estamos comercializando atualmente, junto com um parceiro .

    Marcos, você vai cobrir este evento ? Se for, pode me mandar a matéria ? estou super interessada. Obrigada e lembranças à familia ! Aurea

    http://www.fecomercio.com.br

  5. Marcos Pivetta Post author

    Aurea, que bom ouvi-la novamente. Espero que o frio mais pesado já tenha passado aí no Loire.

    Pode repassar, sim, o texto.

    Um abraço a todos

  6. Marcos Pivetta Post author

    Caro Arruda,

    Obrigado pela mensagem.
    Como você, acho que a discussão precisa avançar. O Brasil é uma potência agrícola mundial em vários setores. Mas não na produção de vinho. O setor tem de encarar isso de frente.

    abs
    Marcos

  7. aurea recchia

    Marcos, que bom lë-lo de novo ! Posso repassar seu texto com a assinatura ?
    Pois é, o sêlo vai nos prejudicar, mas o tiro pode ser enganador… Como você diz, se a qualidade e os preços não baixarem, não vai adiantar nada. Um ou 2 reais no preço do vinho, se ele for bom, não vai espantar ninguém, mas vai tirar mais clientes dos vinhos mediocres nacionais…

  8. Jandir Passos

    O selo fiscal é uma tentativa disfarçada de fazer “reserva de mercado”. O maior competidor do vinho nacional(e importado também) é o vinho de garrafão, isto é, de uvas não viníferas. Falta uma plano estratégico do setor de médio e longo prazo. É óbvio que um pedaço de selo não vai resolver nada. Provincianismo puro.

  9. Marco Aurelio

    Marcos,
    na verdade o governo só mexeu nesse assunto por conta da balança comercial. O setor de vinho no Brasil além de pequeno e arcaico, está começando a ter figuras de “peso” em questões políticas como o Galvão Bueno e outros que estão percebendo uma crescente boa oportunidade nesse ramo de atividade.
    De fato, existem muitas questões nesse país que necessitam de uma atenção do governo que o vinho. Afinal até como todos nós sabemos e até já sentimos, essa estória de selo não funcionou com os whiskys e não vai com os vinhos.

    Abraços,
    Marco Aurelio

  10. Carlos Arruda

    Prezado Marcos,

    Excelente texto, você levantou os pontos fundamentais com a clareza e objetividade que o assunto demanda.
    Concordo plenamente com a questão que você levanta: Agora o vinho brasileiro vai se tornar competitivo?
    Concordo e reforço a suposição: NÃO, não pelo selo.
    Atualmente sou consultor de supermercado em Belo Horizonte e afirmo que o contrabando não está presente nesse setor, mas a competitividade sim, resultado de criatividade e otimização em importação, compras e organização financeira.
    Isso não vai mudar com o selo, como não vão mudar vários hábitos e premissas típicas dos bravos italianos do sul, por quem tenho grande admiração e carinho.
    Sim, acho que o vinho brasileiro continua caro, e sim, os nossos bravíssimos espumantes, vejam só, ficaram caros também. Vejo espumantes argentinos pela metade do preço de muitos dos nossos (equiparando qualidade), presentes nas prateleiras sem outro artifício que competitividade.
    Afinal o selo ganhou, uma metade era contra e outra a favor, mas será bom ver o resultado a médio prazo, pois a premissa de bandeira como sendo a competitividade do nosso produto não vai mudar. Não por isso.
    Um grande abraço,
    Carlos Arruda
    Academia do Vinho

  11. Marcos Pivetta Post author

    Marco Aurélio,

    Obrigado por seu email.

    Imagino que a burocracia seja mesmo muito maior do que simplesmente colar o selo. O que há de “engraçado” nesse história é que foram os produtores nacionais, os grandes sobretudo, que pressionaram a favor do selo. Acho o setor de vinhos no Brasil é algo tão pequeno que o governo não iria mexer nisso agora. Tem coisa muito mais importante para o governo fazer. Mas isso é só um palpite meu.

    abs

    Marcos

  12. Marco Aurelio

    Marcos,
    o problema do selo fiscal embute um burocracia maior que o simples colar selo. A exigencia da receita de as importadores mesmo as menores de possuirem o registro especial de IPI. É um processo longo, burocrático e que serve apenas para provar que a importadora existe e pode operar.

    Em fevereiro/10 estive no armazem do porto no Rio de Janeiro verificar minha carga que acabara de chegar e constatei que o local estava cheio de caixas de vinho, exatamente por essa burocracia. Estou a meses tentando obter esse registro e todos os fiscais me dizem….xiii é demorado mesmo !

    Não são apenas os produtores nacionais os interessados no selo, o governo federal não quer importação por causa da balança comercial e esta travando tudo, inclusive o vinho.

    Os preços vão variar mas de acordo com a concorrência. Sinceramente não espero grandes aumentos de preços e a tendência é que as importadoras assumam essa conta.

    Abraços,
    Marco Aurelio.
    Sócio da Importadora Cuvée

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