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Descobertas efervescentes

Estudos mostram que bolhas disseminam os aromas dos espumantes e identificam a parte da língua que sente o gosto do gás carbônico em líquidos

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*

04/12/2009

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Bolhas de gás carbônico  “carregam” os aromas dos espumantes (Foto: Alain Cornu/Collection CIVC)

Essência dos vinhos espumantes, dos mais baratos e simples aos mais caros e complexos, as tão veneradas bolhas de dióxido de carbono (CO2), popularmente conhecido como gás carbônico, foram alvo recentemente de dois estudos interessantes publicados em revistas científicas internacionais de peso. Mais do que uma alegria para os olhos ou simplesmente uma fonte extra de acidez, as bolinhas de C02, segundo esses novos trabalhos, são as responsáveis por muito do sabor e sobretudo dos aromas associados aos champanhes e espumantes. Ao lado de colegas europeus, o físico Gérard Liger-Belair, da Universidade de Reims, localizada no coração da região francesa de Champagne, mostrou que as bolhas de champanhe carregam cerca de 30 vezes mais compostos aromáticos do que o líquido propriamente dito da bebida. O trabalho de Belair foi publicado na edição de 29 de setembro do periódico norte-americano Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Numa outra linha de pesquisa, uma equipe de cientistas dos Estados Unidos identificou uma classe de células receptoras do gosto que está intimamente associada à percepção das borbulhas presentes em qualquer bebida carbonada, espumantes e champanhes, cervejas e até refrigerantes. Segundo o estudo, publicado na revista norte-americana Science de 16 de outubro, as mesmas células da língua que reconhecem o gosto de azedo nos fazem sentir o gás carbônico nos líquidos.

Obcecado pela questão da carbonação do champanhe, Belair é talvez o cientista que modernamente mais tem contribuído para a compreensão da origem e da importância de vários processos ligados a presença do gás carbônico nesse tipo de vinho. Há uns poucos anos, para surpresa de muitos conhecedores, mostrou que as bolhas dos espumantes se originam basicamente a partir de ínfimas impurezas, de sujeirinhas de nada,  acumuladas em certos pontos das paredes dos copos. Agora, com o emprego de um espectrômetro de massa de alta resolução (um potente aparelho usado para determinar os elementos químicos de uma substância), descobriu que a erupção das bolhas numa taça libera o “sabor” do champanhe na forma de aerossóis que pairam sobre o líquido e se encontram fartamente impregnados de moléculas precursoras de aromas. Um aerossol é uma suspensão gasosa formada por finas partículas sólidas ou gotículas líquidas.  Segundo o pesquisador, esses compostos aromáticos aderem ainda no interior do copo às bolhas de gás carbônico. “Fazendo um paralelo entre a efervescência do oceano e a do champanhe, nosso estudo evidenciou a relação entre o estouro das bolhas e os aromas frequentemente atribuídos a esse tipo de vinho”,  diz Belair. “Dessa forma, sustentamos a ideia de que as bolhas que sobem e se rompem atuam como um elevador contínuo para os aromas num copo de champanhe.”

O trabalho científico que localizou as células da língua responsáveis pelo gosto do CO2 em líquidos – exatamente as mesmas que sentem sabores azedos e permite experimentar a sensação de acidez  – recorreu a técnicas distintas das usadas pelo grupo do físico francês. Com o auxílio da engenharia genética e da eletrofisiologia, a equipe do neurocientista Charles Zuker (hoje na Universidade de Colúmbia, mas que na época do estudo em questão era da Universidade da Califórnia), determinou em roedores onde ficavam essas células sensíveis ao gás carbônico e que o sensor molecular por elas usado para desempenhar tal função é a enzima anidrase carbônica 4, que converte gás carbônico em íons de bicarbonato e e prótons livres. A confirmação da descoberta foi obtida com dois experimentos. Animais que foram geneticamente modificados para não produzir a anidrase carbônica 4 não sentiam o gosto de CO2. O mesmo aconteceu quando os cientistas deram a roedores normais um medicamento chamado acetazolamida, capaz de inibir a ação da enzima. No estudo, os pesquisadores especulam que, evolutivamente, o sensor para gás carbônico pode ter surgido como uma forma de identificar alimentos verdes (ácidos) ou estragados em processo de fermentação. Ou talvez ele sirva simplesmente para equilibrar o pH e a saúde das papilas gustativas.

*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de novembro de 2009 do Bon Vivant.

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