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Os vinhos artesanais de Tormentas

Provando os tintos de quem acha que está fazendo uma revolução no Brasil

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br

12/05/2007

Pelo menos uma trinca de razões fazem dos vinhos artesanais de Marco Danielle, um fotógrafo-jornalista da Serra Gaúcha que se autodenomina “artista-vinhateiro’, uma novidade a ser conhecida: os preços elevados de seus rótulos; o discurso do produtor em busca da qualidade (num estilo pretensioso que, por vezes, abusa do autoelogio); e , mais recentemente, a chancela de parte da crítica, que parece aprovar seus tintos delicados (por ora, ele só faz vinhos dessa cor).

Exemplificando o que foi dito logo acima.

Os preços elevados. O primeiro vinho que Danielle decidiu comercializar, sempre por meio de seu site www.tormentas.com.br, foi o Tormentas Premium Cabernet Sauvignon 2004, do qual foram produzidas apenas 141 garrafas. Inicialmente, o rótulo, hoje esgotado, estava cotado a um preço estratosférico. “Ele não vendeu aos R$ 350,00 idealizados no lançamento, mas foi ferrenhamente disputado até a última garrafa a um preço de R$ 160,00”, garante Danielle, que não possui vinhedos próprios e compra uva para vinificar da propriedade da vinícola Lidio Carraro, em Encruzilhada do Sul, na Serra do Sudeste. Os dois rótulos atualmente disponíveis para venda do produtor também não são nenhuma pechincha: o Tormentas Secundo Cabernet Sauvignon 2004 sai por R$ 79,00 a unidade ou R$ 360,00 a caixa de seis garrafas. O Mininus Anima 2005 custa R$ 58,00 a garrafa ou 270,00 a caixa.

O discurso imodesto do vinhateiro. Uma passada pelo site do produtor dá bem a idéia da obra que Danielle, que diz fazer “vinhos de autor”, acredita ter iniciado em seu ateliê, termo que usa para designar o local em que faz seus vinhos. “Jamais a viticultura brasileira chegou a tal nível de excelência. Jamais nossa matéria-prima foi tão perfeita, e jamais um vinho fino foi feito com tanto esmero, 100% isento de aditivos e concebido artesanalmente: cachos selecionados manualmente no vinhedo e desgranados manualmente no ateliê, baga por baga, com seleção visual e completa eliminação dos cabos e frutos ruins. Transporte do mosto por gravidade (sem bomba), e remontagens manuais. Tormentas representa o expoente de uma combinação de fatores positivos jamais antes alcançada no Brasil.” É assim que Danielle fala do projeto Tormentas em seu endereço na internet. Parece até o presidente Lula enumerando os feitos sem precedentes do seu governo …

Por fim, as boas notas e recomendações que os vinhos de Danielle, até recentemente um desconhedido no mundo do vinho, têm recebido de alguns críticos. Em sua coluna de vinhos e gastronomia publicado no site de Veja, o músico Ed Motta disse, no texto de 5 de janeiro deste ano, que o Minimus Anima 2005 era “o tinto brasileiro de maior personalidade” que ele já tinha degustado. “No nariz, rara elegância, com uma nota salgada e apimentada que lembra os vinhos do Rhône e Languedoc na França, apesar da Alicante ser originária de Portugal.”, escreveu Ed a respeito do blend. Como todo produtor, Danielle coloca à disposição do internauta uma série de críticas favoráveis a seus rótulos. E, mostrando ter um bom trânsito internacional, o “artista-vinhateiro” disponibiliza ainda a tradução de um email elogioso do crítico inglês Steven Spurrier, da revista Decanter, que provou e gostou dos seus rótulos.

Bem, foi com essa trinca de razões, e a curiosidade de sempre de provar coisas novas, que participei na noite de 13/03 deste ano de uma degustação dos rótulos de Danielle na Sociedade Brasileira dos Amigos do Vinhos de São Paulo (Sbav/SP). No total, foram degustados seis vinhos, inclusive dois Cabernet Sauvignon experimentais feitos com uvas da Serra Gaúcha – um da safra 2002 e outro da 2003, este último com passagem por carvalho – que nunca foram comercializados. Aqui me limito a comentar os quatro vinhos que já foram ou serão lançados. Em linhas gerais, esses tintos de Danielle, todos sem passagem em madeira, se destacam pela extrema delicadeza, em alguns casos talvez excessiva, e espaço para a fruta, proveniente de Encruzilhada do Sul, se manifestar no copo. Minhas impressões dos rótulos degustados (para entender o sistema de cotação de vinhos aqui usado, consulte esta página).

Tormentas Premium 2004 (13,5 GL, esgotado para venda) – Cor rubi, com notas granadas de evolução, sem muita concentração de cor. Para um vinho em que foram necessários 3 quilos de uva para fazer uma garrafa, e no qual a relação sólido/líquido foi diminuída em 50% durante a maceração, o Tormentas Premium bem que poderia ter um pouco mais de corpo. Seus aromas são típicos de Cabernet Sauvignon, a uva do vinho, com toques de mentol e algo animal. É macio e tem boa acidez. A delicadeza (excessiva?) parece não aconselhar guardá-lo por mais tempo na adega. Foi o melhor da noite, muito gostoso e fácil de beber, embora o Minimus Anima seja um tinto menos tradicional – e de preço mais razoável. ***1/2

Minimus Anima 2005 (13,8% GL, R$ 58,00) – Na verdade, trata-se de um blend de duas uvas oriundas de duas safras: a Cabernet Sauvignon, que compõe 70% da mistura, é de 2005 e foi colhida quase passificada; a Alicante Bouschet, variedade de origem francesa, vem da colheita 2006. Tinto violáceo, com aromas de frutas vermelhas, flores, um leve pimentão, talvez um caramelo, do qual foram produzidas 1 400 garrafas. Delicado, com bons taninos, num corpo no tamanho ideal (nem gordo, nem magro). O álcool se destaca um pouquinho, sem incomodar muito. Houve quem encontrasse amargor no fim de boca. Não foi o meu caso. Exótico. ***1/2

Amostra de tanque da safra 2006 – Um blend de 2/5 de Tannat, 2/5 de Pinot Noir e 1/5 de Merlot ainda não lançado no mercado. Provavelmente será o Tormentas Premium 2006. Tinto violáceo, de corpo médio, com aroma interessante (terroso, passas, violeta, chocolate amargo) e boa acidez. Taninos (ainda) não totalmente resolvidos. Talvez lhe falte um pouco de concentração. Vinho ainda muito jovem. ***

Tormentas Secundo 2004 – (13,5% GL, R$ 79,00) – Um Cabernet Sauvignon magro, pouco concentrado, de cor já evoluída. Amoras de pimentão, especiarias e mentol. Levemente quente. Um tinto elegante, mas convencional. E que deve ser bebido logo. Foram produzidas apenas 350 garrafas. **1/2

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