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Garrafa micada?

Primeiro filme sobre o Julgamento de Paris a ser lançado nos Estados Unidos, Bottle Shock não entusiasma público e crítica

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*

30/11/2008

Alan Rickman intrepreta o crítico Steven Spurrier: 28 anos de diferença entre a idade do personagem na época do Julgamento de Paris e a do ator hoje (Foto: Divulgação)

Por qualquer ângulo que se olhe, o filme norte-americano Bottle Shock, que entrou em cartaz nos cinemas dos Estados Unidos em 6 de agosto passado, não é nenhum Sideways – Entre Umas e Outras. Baseada (mas não muito) na famosa degustação às cegas realizada em 1976 em Paris, na qual vinhos brancos e tintos ainda não muito badalados da Califórnia bateram grandes rótulos franceses da Borgonha e de Bordeaux, a nova fita a explorar o universo da bebida parece não ter entusiasmado quase ninguém. Nem a crítica, nem o público – com exceção das pessoas que foram à pré-estréia do filme no Vale do Napa, hoje a mais famosa região produtora de vinhos na Califórnia, segundo relato de 1° de agosto publicado no site da revista norte-americana Wine Spectator.

A bilheteria de Bottle Shock é discreta: até 5 de outubro, cerca de dois meses após seu lançamento, havia arrecadado US$ 3,9 milhões, uma ninharia para os padrões do mercado norte-americano. Impulsionado por uma série de prêmios, entre os quais cinco indicações para o Oscar de 2005 , de cuja cerimônia acabou saindo com uma estatueta, Sideways ficou 210 dias em cartaz nos Estados Unidos, onde faturou US$ 71,5 milhões – e mais US$ 37,8 milhões no exterior. Como a probabilidade de ser indicado para o Oscar 2009 é a mesma de um Beaujolais Noveau durar 10 anos, Bottle Shock, que ainda não tem data de estréia confirmada no Brasil, deve ter o mesmo fim de um vinho ordinário: consumo rápido e esquecimento.

A julgar por críticas e relatos na imprensa internacional mais séria, o problema de Bottle Shock é essencialmente um: o filme é ruim mesmo, como tantos que ocupam as salas de cinema. Ruim como história, como retrato, ainda que romanceado, do que aconteceu no Julgamento de Paris, como ficou conhecida a degustação às cegas que apresentou ao mundo o poder de sedução dos potentes vinhos californianos. E ruim como ficção, visto que a trama da produção não parece das mais envolventes. Nem o triângulo amoroso esboçado no filme entusiasma, apesar da bela paisagem vinícola da Califórnia. Filho de Jim Barrett (vivido pelo ator Bill Pullman), então dono do Chateau Montelena, na Califórnia, cujo Chardonnay safra 1973 venceu a competição entre os brancos no Julgamento de Paris, Bo Barrett disputa a atenção de uma nova funcionária da vinícola, Sam (Rachel Taylor), com o amigo enólogo e também funcionário Gustavo (Freddy Rodriguez) . O filme, aliás, é mais sobre a história do Chateau Montelena, que, ironicamente, acaba de ser comprado por franceses, do que propriamente sobre a degustação em Paris.

Para piorar as coisas, Bottle Shock conta com um grande desafeto declarado: Steven Spurrier, hoje crítico de vinhos ligado à revista inglesa Decanter e simplesmente o homem que bolou o Julgamento de Paris. Em 1976, Spurrier, então com 34 anos, tinha uma loja de vinhos na capital francesa e foi o mentor da tal degustação. Em Bottle Shock, Spurrier é interpretado pelo ator britânico Alan Rickman, de 62 anos. “Depois de ter visto uma cópia do script antes do filme começar, depois de Alan Rickman ter me dito que me interpretava, posso assegurar que, a começar da diferença de 28 anos entre a idade atual de Rickman e a minha então (em 1976), não há um pingo de verdade (em Bottle Shock)”, escreveu, em janeiro deste ano, meses antes da fita estrear, o próprio Spurrier no site da Decanter.

É verdade que se deve dar um desconto no que Spurrier diz. Afinal, ele está envolvido com a produção do filme concorrente de Bottle Shock, Judgement of Paris, que será, ao que tudo indica, mais fiel aos fatos. O problema é que a fita que conta com o aval de Spurrier ainda nem começou a ser filmada … De qualquer forma, o filme do Chateau Montelena não agradou os jornalistas do The New York Times. “Comparar Bottle Shock com Sideways é simplesmente um artifício de marketing com o intuito de capitalizar o sucesso do filme anterior. Embora seja ostensivamente sobre vinho, Bottle Shock tem muito mais coisas em comum com um comercial de cerveja”, escreveu Eric Asimov, crítico de vinhos do jornal. “Pedindo emprestado um termo artístico dos esnobes do vinho, o filme carece de estrutura. Ou, para empurrar o idioma um pouco adiante, ele é um pouco doce demais, com algumas notas agradáveis de nozes e um final tolo”, sentenciou, fazendo troça, A.O. Scott, crítico de cinema do diário. A conferir, quando entrar em cartaz nos cinemas nacionais, se Bottle Shock é tão fraco assim.

*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de outubro de 2008 do jornal Bon Vivant

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