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Celebridades engarrafadas

Artistas viram produtores de vinho ou lançam rótulos, feitos por terceiros, associados à sua imagem

Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*

25/01/2007

O mítico Château Inglenook da Rubicon Estate: restaurado por Coppola em sua vinícola na Califórnia, onde há 235 acres de vinhedos(Foto: Divulgação)

O vinho sempre esteve associado a personalidades da alta sociedade. É impressionante a quantidade de rótulos que carregam alguma referência, escrita ou na forma de imagem, a personagens da elite de outrora, como reis, rainhas, duques e papas (e seus castelos). Em certos casos, essas nobres figuras pouco ou nada tiveram a ver com a confecção de tintos e brancos, sendo sua faceta enológica uma criação mais do mundo do marketing que dos livros de história. Em outros, essas pessoas que moldaram usos e costumes de séculos atrás estiveram de fato envolvidas, em alguma medida, com a produção da bebida. Hoje, num mundo globalizado que cultua cada vez mais os fermentados de uva, as etiquetas dos vinhos passaram a ostentar, além dos famosos do passado, os famosos do presente. Mais uma vez, nesse universo de vaidades e satisfações pessoais, há de tudo pouco: desde celebridades com raízes familiares no mundo das parreiras que resolveram comprar terras e viraram produtores, alguns de reconhecimento internacional, como o cineasta Francis Ford Coppola, até artistas que simplesmente licenciam seu nome (caso dos Rolling Stones e Madonna) para que alguma firma faça produtos com a marca deles. Abaixo alguns exemplos de celebridades nacionais ou internacionais que associaram suas grifes pessoais à bebida. Não se trata de uma lista exaustiva, pois dela ficaram de fora, por exemplo, o cantor inglês Sting, com vinhedos na Itália, e o ex-jogador de futebol chileno Elias Figueroa, que jogou no Internacional nos anos 1970 e hoje tem negócios ligados ao vinho em seu país.

O tinto Rubicon: o corte bordalês que é o vinho top de Coppola (Foto: Divulgação)

Coppola, o cineasta-vinhateiro
Mais conhecido por seus grandes filmes, como a trilogia de O Poderoso Chefão e Apocalypse Now, o cineasta norte-americano Francis Ford Coppola resolveu seguir os passos de seu avô, que fazia vinho no porão de casa na Itália. Com mais dinheiro em caixa que seus ascendentes, o cineasta comprou em 1975 um pedaço de uma histórica propriedade vinícola no renomado Napa Valley, a Inglenook Estate, fundada em fins do século 19, e a renomeou Niebaum-Coppola Estate Winery. Três anos mais tarde, lançou sua primeira safra comercial de vinhos, oriundos de suas terras na Califórnia. Desde então, o prestígio da vinícola de Coppola não pára de crescer. Seus rótulo mais caros e a de alta gama, como o Rubicon, um corte (blend) bordalês, com predominância do Cabernet Sauvigon, mais um pouco de Merlot e Cabernet Franc, feito com uvas de cultivo orgânico de sua propriedade, são aclamados pela crítica especializada. Em 1995, perseguindo um sonho antigo, Coppola adquiriu a parte que faltava da velha propriedade de Inglenook e passou a restaurar seus 235 acres de vinhedos e construções, como o mítico Château Inglenook. No ano passado, esse oriundo que fez a América como poucos de seus antepassados alterou o nome da propriedade para Rubicon Estate, uma alusão ao vinho top da casa. De quebra, arrematou outra vinícola californiana, o Château Souverain, no Alexander Valley, para onde vai transferir a produção dos vinhos de preço mediano da linha Diamond Series.

Desde 2002, alguns vinhos da vinícola de Coppola podem ser encontrados no Brasil. A importadora Reloco, com sede no Rio de Janeiro, traz dois rótulos básicos (um tinto e um branco), quatro da linha Diamond Series, além do Cask Cabernet e do afamado Rubicon. “Muita gente ainda se surpreende quando descobre que o Coppola também faz bons vinhos”, diz Humberto Cárcamo, dono da Reloco. “O nome dele ajuda no marketing dos rótulos, mas o preço dos vinhos, como o de quase todos os californianos que entram no Brasil, é elevado para a maior parte dos consumidores”. Uma garrafa de Rubicon pode custar cerca de R$ 6

Anquier e Giovannini, da Don Giovanni: parceria na produção de um espumante, um tinto e um branco (Foto: Divulgação)

Olivier Anquier, de pães e vinhos
Radicado no Brasil há quase 20 anos, o francês Olivier Anquier, que até recentemente foi casado com a atriz Debora Bloch, deu vazão à sua vocação gastronômica em terras verde-e-amarelas. Aqui esse ex-modelo de alta costura virou um misto de padeiro-cozinheiro-apresentador de televisão e tornou seu nome uma grife dos pães e de outras comidinhas. Dessa lista de produtos que carrega a marca Anquier não podia faltar o vinho, assunto de Estado para os gauleses. Desde 2002, Anquier mantém no mercado três rótulos nacionais com sua assinatura. A linha de vinhos Anquier, composta de um espumante brut (seco), um tinto (Cabernet Sauvignon) e um branco (Chardonnay), é feita pela vinícola Don Giovanni, de Pinto Bandeira, distrito de Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. Ayrton Giovannini, dono da vinícola, conta que a parceria começou a nascer quando Anquier foi fazer um programa de televisão na Don Giovanni no ano 2000. Anquier gostou do risoto de pinhão feito por Beatriz Giovannini, mulher de Ayrton, e se encantou com a vinícola, que mantém uma pousada, e seus produtos. “Ficamos amigos e o Olivier, que já tinha alguns produtos com seu nome, disse que também gostaria de ter vinhos”, relembra Giovannini.

Segundo o proprietário da Don Giovanni, Anquier visita a vinícola uma vez por ano para provar e escolher os cortes (blends) que devem entrar na composição de seus vinhos. Por decisão do francês, o espumante, que é um blend de Chardonnay e Pinot Noir feito pelo método champenoise (com a segunda fermentação na própria garrafa), envelhece 18 meses em contato com as borras de leveduras. Anquier também tem a palavra final sobre a composição do chamado licor de expedição, uma mistura de açúcares e vinhos que se adiciona ao espumante antes de o mesmo receber sua rolha definitiva e estar pronto para a comercialização. O licor de expedição determina algumas características da bebida, sobretudo o seu teor de doçura. Os vinhos de Anquier podem sem encontrados na própria Don Giovanni ou em alguns restaurantes e lojas do eixo Rio e São Paulo. Na vinícola, o espumante, carro-chefe da linha do francês, com produção anual de 9 mil garrafas, custa R$ 38. O tinto sai por R$ 33 e o branco, por R$ 20.

Das pistas para as caves
Depois de uma longa e vitoriosa carreira no automobilismo internacional, tendo sido campeão mundial da Fórmula 1 em 1978, o ex-piloto Mario Andretti, hoje com 67 anos, resolveu apostar na sua segunda paixão: o vinho. Em 1994, logo após se aposentar das pistas, Andretti, que nasceu na Itália (portanto, em meio a brancos e sobretudo tintos) e emigrou para os Estados Unidos em 1955, ganhou um vinho feito especialmente em sua homenagem. O presente despertou o desejo de Andretti em ter uma vinícola. O local escolhido para a compra de uma propriedade foi a Califórnia. Como Coppola, Andretti mirou no renomado Napa Valley para investir. Atualmente, o ex-corredor é vice-presidente da Andretti Winery, que foi fundada em 1996 e é administrada por um time de executivos e colaboradores, quase todos ítalo-americanos. A empresa produz anualmente pouco mais de 30 mil caixas de vinhos. Há um pouco de tudo nas linhas da vinícola: Merlot, Cabernet Sauvignon, Zinfandel, Chardonnay, Pinot Noir, Sauvignon Blanc, um espumante. E, claro, vinhos com uvas italianas, como Pinot Grigio, Sangiovese e Primitivo.

Bell Marques e um de seus vinhos Chicleteiro (Foto: Divulgação)

Chiclete, banana e vinho
Num primeiro momento, o nome da linha de três tintos argentinos associada à imagem do grupo baiano Chiclete com Banana – Chicleteiro Gran Reserva Icono Malbec 2003, Chicleteiro Reserva Malbec/Cabernet Sauvigon 2003 e Chicleteiro Malbec 2004 – pode até assustar os mais tradicionalistas. Afinal, o mundo do vinho costuma estar mais associado à pompa dos castelos (falsos ou verdadeiros) do que à informalidade de uma banda de axé music. Mas quem provou os vinhos Chicleteiro diz que eles não são ruins, não. Feitos com uvas da região de Mendoza pelo enólogo por Mauricio Lorca, com passagens por várias vinícolas argentinas de expressão e hoje moldando os produtos da Bodega Enrique Foster, os rótulos chegam ao Brasil por meio da Ana Import, uma pequena importadora (e loja de vinhos e artefatos gastronômicos) com sede em Salvador e escritório em São Paulo. Inaugurada em junho de 2005, a importadora, que também traz vinhos do Chile, Itália e outros países, é comandada por Aninha Marques, mulher de Bell Marques, cantor, guitarrista e líder do Chiclete com Banana. Os rótulos da linha criada pela banda baiana custam R$ 39 (Malbec 2004), R$ 59 (Reserva) e R$ 105 (Gran Reserva).

Rock and roll na garrafa
Baseada na Califórnia, terra das estrelas de cinema e do vinho norte-americano, a Celebrity Cellars é uma empresa especializada em produzir vinhos associados a artistas da música. De seu catálogo, constam rótulos que exploram os trejeitos da cantora Madonna e a pose de três bandas de rock, Rolling Stones, Pink Floyd e Kiss. Não é à toa que o slogan da empresa é “rock and roll numa garrafa”. Os tintos, que compõem a maior parte do catálogo da empresa, são feitos de Cabernet Sauvignon, oriundos de vários vinhedos californianos. A base dos brancos é a uva Pinot Grigio. Até vinhos (?) sem álcool a companhia vende. A proposta da Celebrity Cellars, que, numa tradução literal, quer dizer Adega ou Cave das Celebridades, não é exatamente abastecer o mercado com tintos e brancos para acompanhar uma refeição. É vender vinhos para colecionadores, transformando uma garrafa num item de consumo para fãs de cantores e grupos de rock. É essa a lógica comercial que leva à etiqueta de seus produtos a lasciva língua associada à figura de Mick Jagger, o líder dos Stones, os mascarados do Kiss ou a rebeldia estudada de Madonna. Comercializados sob licença dos artistas, os produtos mais baratos custam US$ 20 (vinhos sem álcool) e o mais caro, US$ 125 (garrafa com a imagem do famoso prisma que ilustra o álbum The Dark Side of the Moon, do Pink Floyd). Esse último vinho, aliás, está esgotado, informa o site da Celebrity Cellars.

Um belo nariz para o vinho
Dono de propriedades vitícolas em várias partes da França (Bordeaux, Vale do Loire e Languedoc) e também na Espanha, na Argentina e no Marrocos, o ator Gérard Depardieu é produtor de vinhos desde o fim da década de 1980. Em alguns empreendimentos, Depardieu, que, sem dúvida, deve ter um bom nariz para o negócio, está associado a Bernard Magrez, grande proprietário de châteaux e vinhedos em terras gaulesas e no exterior. O ator possui até uma linha de vinhos que carrega o seu próprio nome, ostentando rótulos franceses e do estrangeiro. Sua maior propriedade é o Château de Tigné, em Anjou, no Vale do Loire, adquirida em 1989 e que hoje soma 110 hectares. Cerca de um milhão de garrafas anualmente saem do Château de Tigné, entre as quais o Cuvée Cyrano, um corte (blend) de Cabernet Sauvignon e Cabernet Franc assim nomeado em homenagem a Cyrano de Bergerac, papel vivido pelo ator no cinema que lhe rendeu uma indicação ao Oscar. De vez em quando, Depardieu diz que vai largar definitivamente a sétima arte para cuidar apenas de vinho. Mas ainda não cumpriu a promessa.

*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de janeiro de 2007 do jornal Bon Vivant

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