Uma grappa mais feminina
A saga das mulheres da família Nonino que, há mais de 30 anos, começaram a mudar o status do destilado de uva italiano
Marcos Pivetta/www.jornaldovinho.com.br*
31/08/2008
- Elisabetta Nonino: grappas feitas de monovarietais deram fama à empresa familiar (Foto: Divulgação/Marie Hippenmeyer)
São raras as associações entre mulheres e destilados, bebidas consideradas viris por apresentarem freqüentemente teores alcoólicos elevados, em geral superiores a 40% vol. Mas a história da grappa Nonino, fundada na região do Friuli, norte da Itália, em 1897, passou a ser escrita por mãos femininas 35 anos atrás quando Giannola Nonino, a atual matriarca da família, lançou um produto que mudaria o status desse destilado nos círculos mais refinados. Era dezembro de 1973 e Giannola, com o apoio do marido Benito, introduziu no mercado uma grappa artesanal feita a partir da destilação do bagaço fermentado de apenas uma variedade de uva, a Picolit, cepa branca rara e típica do Friuli. Nascia assim o conceito da grappa monovarietal, uma versão mais sofisticada da antiga eau-de-vie italiana cuja principal qualidade no passado era aquecer os colonos do norte da Itália nas noites frias. “A grappa sempre foi vista como um produto pobre”, diz Elisabetta Nonino, a caçula das três filhas de Giannola, que esteve no Brasil em junho divulgando os produtos da empresa familiar durante o Encontro Mistral, representante no Brasil de seus destilados. “Por isso, a grappa feita com Picolit foi um divisor de águas.”
Essa foi apenas a primeira grappa desse estilo, que apresenta aromas mais próximos aos das uvas usadas em sua elaboração e álcool menos saliente no nariz e em boca. Em 1975, os Nonino – o mais correto, seria dizer as Nonino – lançaram uma segunda grappa monovarietal, feita a partir de resíduos da Ribolla, outra uva banca friulana. Desde então, a família não parou de inovar no campo dos destilados de subprodutos da uva e firmou seu nome como um dos melhores (para alguns o melhor), produtor de grappas. Além da grappa feita de variedades italianas, a empresa produz também monovarietais elaborados com cepas internacionais, como Merlot, Chardonnay e Sauvignon Blanc. A maioria das grappas é branca, cristalina, mas há versões envelhecidas em madeira que adquirem tons entre o amarelo escuro e o âmbar. Hoje, além da Nonino, vários produtores italianos (e do exterior) também elaboram versões monovarietais do famoso digestivo italiano. Dos 66 alambiques que a empresa mantém na localidade de Ronchi di Percoto saem anualmente um milhão de garrafas de destilados, em sua maior parte grappa (monovarietal ou blends de várias uvas), mas também um tipo de eau-de-vie elaborado a partir de bagos inteiros de uva, denominado ÙE, além destilados de mel e também de outras frutas.
Um dos segredos da Nonino, explica Elisabetta, é trabalhar com matéria-prima fresca, pura e de origem controlada para a obtenção de grappas mais aromáticas e refinadas. Historicamente, a grappa sempre foi feita sem muitos cuidados, com subprodutos do processo de produção de vinho. Ou, em outras palavras, com as cascas, a polpa esmagada, as sementes e tudo o mais que sobrava (e iria para o lixo) da prensagem das uvas, inclusive as partes lenhosas da uva. Era comum demorar dias até que o produtor de grappa recebesse o bagaço de uva necessário para a produção do destilado. Também não se dava muita atenção à procedência do bagaço ou às variedades de uvas que compunham essa nada nobre matéria-prima. A Nonino alterou essa antiga forma de trabalhar. Estreitou relação com fornecedores específicos, passou a produzir grappa com matéria-prima mais sã e sem as partes lenhosas da uva e a destilar em separado o bagaço de uva de algumas variedades . O resultado foi um produto que, como gosta de dizer as mulheres da família, a grappa deixou de ser uma gata-borralheira e virou princesa. Com admiradores na elite italiana e internacional.
A Nonino também revolucionou o marketing da grappa, vista até então como uma bebida rústica de homens simples, aproximando sua imagem à de destilados mais nobres, como o conhaque e o brandy. Uma das grandes sacadas foi justamente colocar as belas mulheres da família (a matriarca Gionnola e as herdeiras Cristina, Antonella e Elisabetta) como embaixadoras do produto mundo afora. Uma receita que, claro, sempre atrai a atenção da imprensa. Outro ponto forte foi o investimento em melhorar a embalagem do produto. As bonitas garrafas de grappa – em geral gorduchas, bojudas, embora também haja exemplares mais alongados entre os produtos da Nonino – fazem lembrar que design de objetos é uma das especialidades dos italianos. Para lapidar ainda mais a imagem da velha aguardente italiana, a família patrocina há 33 anos o Prêmio Nonino, que, em várias categorias, reconhece o trabalho de escritores, artistas e intelectuais e celebra a rusticidade da vida. Em 1984, Jorge Amado, que se tornaria amigo da família, ganhou a versão internacional do prêmio. “Lembro de ter passado temporadas no apartamento de Paris do Jorge Amado e de Zélia Gattai”, recorda-se Elisabetta. Na Mistral, as grappas Nonino, que se apresentam em garrafas de vários tamanhos (de meio litro, 700 ml e até um litro), custam entre pouco mais de 50 dólares e 200 dólares.
*Esta matéria foi originalmente publicada na edição de agosto de 2008 do jornal Bon Vivant
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